26 novembro 2013

DEUS ESTAVA AQUI E EU NÃO SABIA

Quando a noite baixa sobre a nossa civilização e as suas crises, o homem sente saudades de Deus

Manhã cedo, o pai estava a fazer a barba e a sua filha caçula, Juliana, perguntou: pai, onde é que Deus mora? Distraído e com pressa, respondeu: Deus mora num poço. Ao jantar a esposa quis saber: o que disseste realmente à nossa filha acerca de Deus morar num poço?
Foi preciso regressar à infância para situar o facto. Um bando de ciganos acampara perto da casa, junto ao poço. Um cigano gigante, barba e cabelos brancos, parecia ser o chefe do grupo. Um dia ele estava a tirar água da cisterna. Após colocar o balde no chão, ficou a olhar atentamente para o fundo do poço. Curioso, tentei olhar também para ver o que o cigano estava a contemplar. Notando a minha curiosidade, ele adiantou: sabes quem mora no fundo do poço? Sem esperar a resposta, ele garantiu: é Deus. E ajudando-me, ergueu-me até ao ângulo certo. Olhando para baixo vi apenas o meu rosto. Mas aquele sou eu, reclamei. O cigano colocou-me no chão e garantiu: agora sabes qual é a casa de Deus.

O livro do Gênesis fala da viagem do patriarca Jacó em direcção ao desconhecido e a misteriosa escada que alcançava o céu. Depois de uma noite inteira de luta, Jacó dá-se conta do mistério e exclama: “Na verdade o Senhor estava aqui e eu não sabia” (Gn 28,16).
A modernidade, alimentada pela sua autossuficiência, dispensou Deus, como sendo inútil. Foi a reedição do episódio bíblico da Torre de Babel. A fé, para muitos, não passava de ignorância e a luz da ciência dissipara as trevas. O filósofo Frederick Nietzsche consagrou a frase “Deus morreu!”. Começava o período do homem. Mas foi a própria história que se encarregou de mostrar a ridícula debilidade da proposta. E no limiar do Terceiro Milénio, a fé é uma - talvez a maior - das megatendências de nosso tempo. A fé está mais presente do que em qualquer época no coração do homem de hoje. E isto é percebido de muitas maneiras, sobretudo, pelo espaço que os meios de comunicação dedicam ao sagrado, em que pesem as ambiguidades.
É impossível expulsar Deus do coração humano. Interrogado se acreditava em Deus, o romancista Ernest Hemingway admitiu: “De vez em quando, sobretudo à noite”. Quando a noite baixa sobre a nossa civilização e as suas crises, os homens e a sociedade toda sentem saudades de Deus. Desencantados com as suas conquistas, como os peregrinos de Emaús, pedem: “Fica connosco, Senhor, porque anoitece!” (Lc 24,29).

Deus está em toda parte. Na inocência das crianças, nos rostos marcados pelo sofrimento, nos factos por vezes desconcertantes da história, Deus marca presença. Ele está no nosso dia a dia, Ele está, sobretudo, em nosso coração e, como Jacó, um dia acabamos por nos dar conta: na verdade, o Senhor estava aqui e eu não sabia!
A.C.